Após uma década de rápida expansão, inovação constante e consolidação como líder industrial, a Barreiros se viu em uma posição privilegiada no setor automotivo espanhol no final da década de 1960. No entanto, a maré estava começando a mudar.
Nesta terceira e última parte da nossa série, abordamos o período mais complexo da empresa: a entrada gradual da Chrysler em seu controle acionário, as mudanças na gestão, as tensões internas e, finalmente, a saída de Eduardo Barreiros de sua própria empresa. Veremos como essas transformações afetaram profundamente a identidade da marca e levaram, em poucos anos, ao seu fim como um projeto independente.
Mas também falaremos sobre o que restou: o legado industrial, técnico e humano da Barreiros, que ainda hoje entusiasma entusiastas e profissionais do setor automotivo. Uma história que, embora tenha chegado a um fim abrupto, permanece viva na memória de muitas pessoas.

Aquisição gradual de ações pela Chrysler
Em meados da década de 1960, a força da Barreiros no setor automotivo não passou despercebida internacionalmente. A multinacional americana Chrysler Corporation, com ambições de expansão na Europa, encontrou na Barreiros Diésel S.A. a parceira ideal para entrar no mercado espanhol, altamente regulamentado na época e de difícil acesso para empresas estrangeiras.
Em 1963, a Chrysler iniciou sua participação com a aquisição de 25% do capital da empresa. Essa entrada foi recebida com certo entusiasmo, pois prometia recursos financeiros, acesso a tecnologia avançada e modelos consolidados internacionalmente. Nos anos seguintes, a Chrysler aumentou sua participação acionária até obter o controle majoritário em 1969, momento em que Eduardo Barreiros foi forçado a renunciar ao cargo de CEO.
Mudanças na Gestão e na Tomada de Decisões
A aquisição gradual pela Chrysler transformou radicalmente as operações internas da empresa. A gestão, que até então era ágil, flexível e sob a forte liderança pessoal de Eduardo Barreiros, passou a ser subordinada às decisões tomadas nos Estados Unidos. Isso significou uma profunda mudança na estrutura hierárquica, com mais burocracia e menos espaço para as equipes locais atuarem.
As decisões estratégicas passaram a ser guiadas pela lógica do grupo Chrysler, priorizando a implementação de seus modelos e padrões em detrimento das especificidades do mercado espanhol. Novos veículos foram introduzidos sob licença americana, como o Dodge Dart, e os processos de produção foram adaptados aos modelos internacionais. No entanto, essa orientação também gerou atritos, pois muitas decisões nem sempre se alinhavam às reais necessidades do consumidor espanhol ou aos pontos fortes históricos da empresa.
Impacto na cultura corporativa e no modelo de negócios
O espírito inovador e empreendedor que havia definido a época de Eduardo Barreiros deu lugar a uma cultura mais corporativa, dependente das diretrizes da matriz americana. Parte da conexão com o mercado local e com a rede de colaboradores e fornecedores nacionais que tanto contribuíram para seu sucesso inicial foi perdida.
Além disso, o modelo de negócios se distanciou de seu próprio foco industrial (com desenvolvimento próprio de motores e veículos) para se tornar uma subsidiária para a montagem e comercialização de produtos Chrysler. Essa mudança corroeu a identidade da Barreiros como referência na indústria automotiva espanhola e marcou o início de um lento processo de perda de relevância.
Conflito entre a abordagem de Eduardo Barreiros e a visão americana
A colaboração entre a Barreiros e a Chrysler, inicialmente apresentada como uma aliança estratégica mutuamente benéfica, logo começou a apresentar falhas. O modelo de negócios da Eduardo Barreiros, baseado em autonomia, inovação prática, adaptação ao mercado local e profundo conhecimento do ambiente econômico espanhol, colidiu frontalmente com a estrutura rígida e a tomada de decisões centralizada da gigante americana.
Enquanto a Barreiros optou por soluções eficientes e adaptadas à indústria nacional, a Chrysler buscou replicar seu modelo internacional, impondo padrões de produção, design e gestão que nem sempre se adequavam às necessidades do cliente espanhol ou ao contexto econômico da época.
Dificuldades financeiras, tensões internas e desacordos estratégicos
A progressiva integração da Chrysler ao capital da empresa levou à perda de controle de Eduardo Barreiros sobre a direção estratégica da empresa. As decisões começaram a ser tomadas em Detroit, com pouca sensibilidade à complexidade do mercado espanhol. Ao mesmo tempo, começaram a surgir dificuldades financeiras. A empresa enfrentava altos custos, a concorrência era crescente e os novos modelos da Chrysler nem sempre eram bem recebidos. Somavam-se a isso as tensões internas entre executivos de ambos os lados do Atlântico e a imposição de uma nova cultura corporativa que não se adequava à filosofia original da empresa. Eduardo Barreiros deixa a empresa. Em 1969, Eduardo Barreiros, desiludido com o rumo que a empresa que havia fundado estava tomando, decidiu deixá-la definitivamente. Ele o fez após perder todo o poder real de decisão e diante da evidência de que a visão americana havia prevalecido completamente sobre seu modelo. Sua saída marcou o fim de uma era. A empresa, que ainda levaria o nome de Barreiros por um tempo, não mais mantinha seu espírito fundador. Com ele, faleceu uma das grandes figuras da indústria automobilística espanhola do século XX, um homem que fez sucesso sozinho e cuja visão revolucionou o transporte e a produção de motores no país.
Perda da identidade espanhola
Após a saída definitiva de Eduardo Barreiros, em 1969, a empresa entrou em uma nova era completamente dominada pela Chrysler Corporation. Embora o nome "Barreiros" tenha sido mantido por um tempo, a marca não era mais essencialmente espanhola. As decisões estratégicas, de design e de produção começaram a ser tomadas nos Estados Unidos, com pouco envolvimento da equipe local.
Isso resultou em uma perda progressiva de identidade. A empresa, que havia nascido da adaptação ao contexto industrial e social espanhol, tornou-se apenas mais um ramo do império Chrysler, distante dos valores de inovação, flexibilidade e proximidade com o mercado que caracterizaram a era anterior.
Evolução da gama de produtos
Com a nova abordagem, a Chrysler reorientou a produção para adaptá-la aos seus padrões globais. A gama de produtos foi transformada: foram introduzidos modelos como o Dodge Dart, veículos mais voltados para o mercado internacional, que, embora bem recebidos por alguns setores, não correspondiam plenamente às necessidades do consumidor espanhol da época. A linha de veículos industriais também passou por mudanças. Embora alguns caminhões e vans da era Barreiros tenham sido mantidos por um tempo, eles foram gradualmente substituídos por designs e componentes da Chrysler, perdendo a singularidade que havia diferenciado a Barreiros Diesel. Os problemas financeiros globais da Chrysler e seu impacto na Espanha. Em meados da década de 1970, a Chrysler começou a enfrentar sérias dificuldades econômicas em nível global. A crise do petróleo de 1973, a crescente concorrência internacional e a falta de adaptação a novos mercados colocaram a empresa americana em xeque. Os prejuízos se multiplicaram e decisões drásticas de reestruturação foram tomadas. Essa turbulência também impactou sua subsidiária na Espanha. A Barreiros, agora totalmente integrada ao Grupo Chrysler, sofreu cortes, falta de investimentos e crescente incerteza quanto ao seu futuro. A empresa, antes uma força motriz da inovação no país, estava agora arrastada pelos problemas financeiros da sua matriz, sem margem de manobra ou apoio local.
O fim se aproximava, e o sonho industrial da Barreiros se esvaía em meio a decisões corporativas tomadas a milhares de quilômetros de distância.
Perda da identidade espanhola
Após a saída de Eduardo Barreiros e a aquisição completa da empresa pela Chrysler, a empresa entrou em uma nova fase marcada pela perda progressiva de sua identidade espanhola. A marca Barreiros tornou-se completamente subordinada às decisões do grupo americano, e a gestão passou a seguir diretrizes internacionais com pouca autonomia local.
A abordagem pessoal, flexível e voltada para o mercado doméstico que caracterizava a Barreiros Diesel foi substituída por uma estrutura mais burocrática, alinhada à estratégia global da Chrysler. A marca Barreiros continuou a ser usada como símbolo comercial por um tempo, mas gradualmente desapareceu, tornando-se um mero vestígio de seu fundador.
Evolução da gama de produtos
Durante esse período, a gama de produtos também passou por uma transformação. A Chrysler lançou seus próprios modelos, como o Dodge e o Simca, fabricados sob licença na fábrica de Villaverde. Embora alguns desses veículos tenham alcançado algum sucesso comercial, a desconexão com as reais necessidades do mercado espanhol ficou evidente em vários lançamentos. A produção de caminhões, que havia sido o núcleo original dos negócios da Barreiros, foi gradualmente dando lugar aos automóveis de passeio. Esse novo foco nem sempre foi bem recebido, pois os consumidores espanhóis não encontraram nesses novos produtos a mesma confiabilidade, economia e robustez dos veículos projetados pela equipe da Barreiros no início. Os problemas financeiros globais da Chrysler e seu impacto na Espanha. Enquanto isso, a Chrysler começava a enfrentar sérios problemas financeiros internacionalmente, especialmente nos Estados Unidos. A crise do petróleo, a concorrência japonesa e os altos custos de produção afetaram severamente a empresa, que decidiu reduzir sua presença em mercados considerados secundários. Essa situação teve um impacto direto na Espanha, onde a subsidiária deixou de receber investimentos e apoio estratégico. A viabilidade da Chrysler Espanha começou a ser comprometida e os rumores de uma venda tornaram-se cada vez mais insistentes. Finalmente, em 1978, a Chrysler foi forçada a vender sua subsidiária espanhola para o grupo francês PSA Peugeot-Citroën, que integrou a fábrica de Villaverde à sua estrutura de produção. Com isso, o período de Barreiros sob o controle da Chrysler chegou ao fim, encerrando definitivamente um capítulo na história da indústria automotiva espanhola.
Impacto cultural, técnico e industrial
Embora a marca Barreiros tenha desaparecido do cenário automotivo, seu legado permanece muito presente na história industrial da Espanha. Eduardo Barreiros não foi apenas um empreendedor excepcional, mas também uma figura-chave na motorização do país, impulsionando o desenvolvimento do transporte, da logística e da mobilidade em uma Espanha ainda ancorada no atraso tecnológico do pós-guerra.
No plano técnico, a empresa deixou sua marca por sua capacidade de inovação no design de motores a diesel, pela produção nacional de caminhões robustos e confiáveis e por ter enfrentado com sucesso marcas estrangeiras muito mais bem posicionadas. Seu modelo industrial, baseado na eficiência, na produção local e na adaptação ao meio ambiente, serviu de inspiração para gerações posteriores de engenheiros e empresários.
Barreiros também teve um impacto cultural e simbólico: tornou-se sinônimo de progresso, esforço e modernização, numa época em que a Espanha lutava para recuperar seu ritmo industrial após décadas de isolamento.
Restaurações, clubes e entusiastas atuais
Décadas após o desaparecimento da marca, o nome Barreiros continua a gerar admiração e respeito entre colecionadores e entusiastas de carros clássicos. Foram criados clubes de amigos de Barreiros, fóruns, eventos de veículos históricos e encontros dedicados exclusivamente aos modelos fabricados pela marca.
Muitos desses veículos, incluindo caminhões, carros de passeio e tratores, foram cuidadosamente restaurados e preservados e continuam a servir como evidência tangível de uma era de ouro da indústria espanhola. Graças à paixão desses entusiastas, a história de Barreiros não foi esquecida.
Reconhecimento póstumo de Eduardo Barreiros
Eduardo Barreiros foi reconhecido institucional e publicamente com inúmeras homenagens, tanto em vida quanto após sua morte em 1992. Entre as mais notáveis está a criação da Fundação Eduardo Barreiros, cujo objetivo é preservar e divulgar seu legado empresarial, técnico e humano.
Além disso, sua biografia foi tema de livros, documentários e estudos acadêmicos que destacam seu papel como um dos industriais mais importantes do século XX na Espanha. Hoje, Barreiros é lembrado não apenas como um grande empresário, mas também como um visionário que defendeu a modernização e a autossuficiência em um momento crucial para o país.
A história da Barreiros é a de uma empresa que nasceu da engenhosidade e determinação de um homem, tornou-se um símbolo do desenvolvimento industrial espanhol e acabou absorvida pela dinâmica da globalização e pelos interesses das grandes corporações. Apesar de sua decadência corporativa, o legado de Eduardo Barreiros e de sua marca vive na memória coletiva, nas oficinas de restauração e nas estradas por onde alguns de seus veículos ainda circulam ocasionalmente.
A Barreiros não fabricou apenas caminhões e motores: ele construiu uma parte importante do tecido industrial e emocional de um país em transformação. Sua história é um lembrete do que pode ser alcançado com visão, trabalho árduo e comprometimento, mas também dos desafios de permanecer fiel ao próprio modelo em um mundo cada vez mais interconectado.
Incentivamos você a continuar explorando mais histórias da indústria automobilística espanhola e a descobrir outras marcas e personalidades que marcaram uma era.
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